terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Será que o aumento de câncer tem a ver com a industrialização de primários?

Na tarde de 4 de outubro de 2010, moradores de três povoados no centro da Hungria foram surpreendidos por uma avalanche arrasadora: mais de 100 milhões de litros de uma lama de forte cor vermelha se espraiaram por uma área de 40 quilômetros. A enxurrada atingiu dois metros de altura, arrastando o que havia pelo caminho, afogando nove pessoas, ferindo outras 150 e destruindo um bairro inteiro em Kolontar, além de muitas casas nas outras duas pequenas cidades.

De imediato o rio Marçal morreu: todas as formas de vida que ele continha, animais e vegetais, foram exterminadas. A lama chegou até o Danúbio, o segundo maior rio da Europa. Quando as turmas de socorro e salvamento chegaram à área atingida, o panorama sugeria uma paisagem marciana; tudo estava tingido de vermelho.

Não se tratava de uma lama qualquer: era uma densa massa líquida extremamente cáustica, com alto teor de arsênico. Ela vazou através de pequena fissura, de 50 centímetros de largura, que se abriu no dique da bacia de rejeitos de uma fábrica de alumina, com área de 800 hectares. Provocou o maior desastre ecológico da história da Hungria e um dos mais graves ocorridos recentemente na Europa.

O acontecimento quase não repercutiu no Brasil, indiferença estranha para o país que é o terceiro maior produtor de alumina do mundo. Menos aceitável foi o silêncio dos paraenses. A 50 quilômetros de Belém funciona a maior fábrica de alumina do mundo, a Alunorte, hoje sob o controle da norueguesa Norsk Hydro, que adquiriu o controle acionário da empresa, que estava em poder da antiga Companhia Vale do Rio Doce.

A Alunorte também despeja num reservatório semelhante o rejeito da lavagem química do minério de bauxita, da qual resulta a alumina, de aparência semelhante ao açúcar. Submetida a um processo eletrolítico, a alumina se transforma em metal, o alumínio. O Pará tem o ciclo completo da produção no seu território, desde a bauxita (suas jazidas são as terceiras maiores do mundo) até o metal de alumínio (a fábrica da Albrás, vizinha da Alunorte, é a maior do continente e a terceira do mundo).

Nos últimos anos as empresa de alumina têm se empenhado em mudar a imagem dos rejeitos que geram. Quase não utilizam mais a expressão lama vermelha, por seu impacto imediato, logo associado ao perigo e ao risco de contaminação por produtos químicos tóxicos. A intenção era mudar a expectativa, destacando que o rejeito é praticamente inerte. O acidente húngaro pode inutilizar esse esforço e fazer as autoridades voltarem a tratar a lama vermelha como uma ameaça, caso os reservatórios em que é acumulada não recebam tratamento rigoroso e eficaz.

Esse tratamento parece não ter havido na Hungria. Mal ocorreu a enxurrada, ficou claro que as cidades próximas estavam expostas aos danos de um acidente. Exaurida a lama, que cobriu todo um bairro de Kolontar, onde vivem 800 pessoas, começou a construção de um dique de cinco metros de altura entre o reservatório da fábrica e o vilarejo vizinho, que não foi atingido e escapou ao destino trágico do bairro ao lado: se ficar inviabilizado o retorno dos seus habitantes, terá que ser todo demolido e provavelmente jamais será reconstruído.

A proteção fora prometida aos moradores, mas nunca chegou a ser executada. Teria reduzido bastante os danos causados. Além dos prejuízos no local, o efeito mais nocivo do rompimento da barragem seria a contaminação do rio Danúbio e o assoreamento ou a perda de vida em drenagens da bacia.

Os técnicos do governo e da empresa asseguraram que esse impacto não ocorrerá, mas ainda são incertos os efeitos no longo prazo da penetração da lama tóxica, com componentes químicos como a soda cáustica. Todos os que trabalharam para recuperar os povoados usaram máscara, capacete, luva, bota e longa capa impermeável para se proteger da lama, que é tóxica e pode queimar a pele.

O problema não está só na massa líquida. Com o ressecamento, o barro vermelho começou a ser levantado pelo vento e espalhado pelas redondezas, afetando a qualidade do ar. Se ingerido, o pó pode causar o câncer.

Pode ser que o acidente tenha sido descrito com cores mais fortes do que as realísticas, mas o fato foi suficientemente grave para recolocar em debate as medidas de proteção e de fiscalização das fábricas, sobretudo das que geram rejeitos tóxicos. Se os europeus vão rever as situações, cabe-nos também voltar a considerar as mesmas providências em relação ao distrito industrial de Barcarena, o mais importante do Pará, onde está instalado o maior complexo de alumina e alumínio do país.

Para se ter uma idéia de grandeza, a MAL Zrt, a fábrica húngara responsável pelo vazamento, é apenas a 53ª maior produtora de alumina, enquanto a Alunorte é a primeira, com capacidade para 6,3 milhões de toneladas. Seu faturamento no ano passado foi de 2,8 bilhões de reais, enquanto as vendas do grupo húngaro não chegaram a 200 milhões de dólares (350 milhões de reais).

Quando houve um vazamento na Alunorte, no ano passado, falou-se na necessidade de elaborar e colocar em prática um plano diretor para toda a área, onde já é grande a concentração de grandes unidades industriais de alumínio, alumina e caulim. O acidente da Alunorte não chegou a provocar um grande impacto ecológico e humano nem a causa do acidente pode ser atribuída à negligência ou falha da empresa.

O que provocou o transbordamento dos diques foi uma chuva excepcionalmente intensa: em hora e meia de um único dia a precipitação foi de 105 milímetros, equivalente a 30% do total médio histórico para todo mês de abril, que é o mais molhado do ano, conforme a empresa então explicou. Teria sido apenas “um fenômeno da natureza” e não falha humana.

Houve transbordamento – mas não rompimento, como aconteceu na Hungria – de um canal que conduz água e resíduos de bauxita, contaminados por soda cáustica (usada no processo industrial), para tratamento e despejo na drenagem natural. Os efluentes caíram diretamente no rio Murucupi, antes de serem submetidos a tratamento para neutralizar seu pH e impedir danos à natureza e ao ser humano. Não houve “qualquer risco para a saúde das pessoas ou uma evidência forte para ocorrência de mortandade de peixes”, garantiu a Alunorte na época.

Logo depois do acidente, a Alunorte contratou dois consultores para monitorar as águas em paralelo ao seu próprio acompanhamento do processo industrial, e não encontrou elementos para caracterizar um desastre ambiental ou danos significativos. Mesmo assim, foi multada, tanto pelo órgão federal, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), quanto pelo estadual, a Sema (Secretaria do Meio Ambiente).

A empresa rejeitou a acusação que lhe fizeram, mas a pergunta que imediatamente se podia fazer era se a margem de segurança para as barragens que abrigam ou drenam os resíduos era correta. Os técnicos argumentavam que era. Mas no momento em que concediam entrevista coletiva, não dispunham de números sobre séries históricas de observação das precipitações pluviométricas para comprovar que a chuva do dia 26 de abril estava fora dos padrões históricos, por isso extrapolando a margem de segurança das obras de engenharia.

O presidente da Alunorte, Ricardo Carvalho, prometeu então que a empresa formularia um projeto para a formação de um condomínio ambiental com as outras unidades do distrito industrial, o que possibilitaria rever e adequar suas instalações de uma forma global. No momento em que comemora 15 anos de funcionamento, fazendo festa e lançando um livro sobre a sua história, a empresa podia transformar a promessa em realidade. Este seria o melhor presente seria para a comunidade. E para o país.

Fonte: Carlos Silva

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