segunda-feira, 22 de novembro de 2010

As Armadilhas do crédito fácil



As armadilhas do crédito fácil. Empréstimos a qualquer hora, sem nenhum papel para assinar. Era tudo tão rápido que a aposentada Maria do Carmo da Luz não parou um minuto para pensar. "É uma tentação. Quem não precisa de dinheiro? E aquele dinheiro que eu podia usar estava ali. Eu pensava: Vou comprar isso, vou comprar aquilo", conta.

A oferta brilhava na tela cada vez que a aposentada gaúcha ia ao caixa eletrônico. Uma, duas, três vezes ela apertou o "sim". "Estava dando para pagar, mas depois não deu mais", diz dona Maria do Carmo.

O crédito fácil foi a gota dágua que provocou uma tempestade no orçamento da aposentada. "Tenho seis ou sete empréstimos. Juntando todos os bancos, eu tirei uns R$ 5 mil e hoje a dívida deve estar entre R$ 20 e R$ 25 mil".

Ela reconhece que deu um passo muito maior do que podia, mas quer dividir com o banco uma parcela da culpa. "Eles estavam vendo quanto eu devia e cada vez que eu ia tirar o extrato, aquela oferta estava ali", lembra dona Maria do Carmo.

Foi uma combinação explosiva: dinheiro sempre disponível e apetite para gastar. "Eu não gosto de miséria. Quando saio, venho carregada para casa", diz a aposentada.

Somando a aposentadoria e a pensão, dona Maria do Carmo deveria receber R$ 500 por mês. Mas ela fez dois empréstimos com desconto em folha, e uma parte do que recebe fica no banco para quitar as prestações. E pior do que não ter dinheiro é não ter crédito.

"As pessoas não confiam mais na gente. Vamos a um lugar fazer uma compra e quando passam nosso nome, estamos no SPC, no Serasa. Isso é ruim", lamenta dona Maria do Carmo. "Eu sinto desespero porque não tenho esse dinheiro".

Vendendo roupas de porta em porta e fazendo picolé em casa, ela consegue um extra –suficiente para sobreviver, mas muito pouco pra se livrar das dívidas. "As cartinhas chegam aqui. Agora eu procurei uma advogada para parcelar. Uma parcela baixinha, quem sabe?", diz dona Maria do Carmo.

Foi no meio da rua, no Centro de São Paulo, que a dona de casa Dilane Barbosa topou com outro vilão dos endividados. "Eles cativam tanto que você termina caindo", alega. As contas do cartão de crédito estavam atrasadas, e ela aceitou na hora a proposta da financeira. Péssimo negócio! Acabou trocando uma dívida que já era cara por outra mais cara ainda, com juros muito maiores.

"Você esquece quanto vai dar de juros. Eu fiz o empréstimo e me arrependo amargamente", desabafa dona Dilane. A conta do telefone é só uma das que ela e o marido precisam reduzir.

"A nossa vida ficou complicada porque temos que comprar medicamentos, alimentos... Eu morro de medo de atrasar o apartamento e ir para o departamento jurídico da empresa", diz dona Dilane.

"Geralmente a gente saía todo fim de semana. Levava a menina ao shopping ou a uma lanchonete. Atualmente isso está sendo feito uma vez por mês", conta o cobrador de ônibus Paulo Fernando Barbosa, marido de dona Dilane.

A única filha do casal estuda em escola pública. Sem poder pagar cursos extras para a menina, eles encontraram a solução na esquina de casa: a aula de judô de um projeto social.

As despesas estão diminuindo, mas o alívio financeiro ainda está longe. Decididos, resolveram enfrentar os credores. "A gente liga e fala quais são as nossas condições de pagamento para não fugir ao orçamento. Alguns concordam, outros não", diz dona Dilane.

Dona Maria do Carmo e dona Dilane aceitaram um tipo de empréstimo que tem sido bem tentador para a maioria dos brasileiros. Como é rápido e as exigências para pôr a mão no dinheiro são baixas, o risco do banco não receber é maior. E isso não sai de graça.

"Se implica um negócio de maior risco, implica obrigatoriamente juros mais altos", atesta a defensora pública Rafaela Consalter. "Ninguém aqui vai pregar o fim do crédito facilitado. Não é isso. Mas o crédito facilitado também tem um limite: o limite do bom senso".

Há um ano a Defensoria Pública de Porto Alegre atende superendividados. Gente que chega a dever até dez vezes mais do que ganha.

"Falando, você acaba se lembrando do que às vezes quer esquecer", diz a auxiliar de contabilidade Jaína Xavier.

Jaína tem dívidas no banco, em duas lojas de departamentos e na companhia telefônica. Para piorar, não pode comprar a prazo porque o nome está na lista de devedores do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Mesmo com a ajuda do marido, que está empregado, o que sobra mal dá para manter a casa e o filho.

"Essa situação afeta nossa dignidade porque toda vez que precisamos de alguma coisa não temos crédito e, assim, temos que pedir para alguém fazer isso por nós", diz Jaína.

Pelo menos a metade das pessoas que procuram a Defensoria Pública de Porto Alegre está superendividada. São consumidores que não ganham o suficiente para dar conta de todas as dívidas. Muitos chegam angustiados porque não conseguem pagar nem mesmo serviços básicos como a água e a luz. Para a maioria desses casos, o melhor caminho é a renegociação.

"Vamos tentar conversar com cada um dos seus fornecedores para tentar uma nova composição, de modo que você consiga condições de continuar pagando todos os seus débitos com parcelas menores. Me parece que não é sua intenção deixar de pagar nada disso", diz a defensora pública Christine Balbinot para Jaína.

A negociação com os credores tem tido sucesso em 80% dos casos atendidos na defensoria. O serviço é de graça para trabalhadores com renda mensal de até cinco salários-mínimos. Só em último caso os advogados recorrem à Justiça.

"O processo pode demorar de cinco a seis anos. Se conseguirmos um acordo numa negociação, resolvemos o problema dessa pessoa de 30 a 40 dias", ressalta Christine.

"Eu não me nego a pagar, mas do jeito que está fica difícil. Então, preciso arrumar uma solução", diz Jaína.

"É uma maneira de receber. Se eles (os credores) não tiverem abertos para negociação, não vão receber", ressalta a defensora pública Clorinda Izabel Silva.

Parcelas fixas, valores mais baixos e mais tempo para pagar as dívidas. Ainda não há uma estatística, mas as defensoras dizem que a maioria dos acordos feitos são cumpridos integralmente. Só procura a defensoria quem quer mesmo uma chance para recomeçar. E, para isso, qualquer ajuda é bem-vinda.

"Eu sempre dou um santinho e sugiro que rezemos numa corrente para conseguir uma vitória. O mais escolhido é Santo Expedito", revela Clorinda Izabel.

E quem leva Santo Expedito para casa espera que ele faça jus à fama de padroeiro das causas urgentes.

Fonte: SOS Consumidor

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